terça-feira, 26 de outubro de 2010

Texto preparatório para o workshop

O princípio central da teoria evolutiva, tal como proposta em 1859 por Charles Darwin na Origem das Espécies, afirma que as espécies existentes, apesar da sua diversidade em termos de forma e estilo de vida, resultam da descendência (com modificação) de ancestrais comuns. Para transmitir esta ideia, Darwin utilizou a metáfora da “Árvore da vida”. Nessa comparação, as espécies existentes ligam-se umas às outras, no tempo, através de ancestrais comuns da mesma forma que os galhos das árvores se ligam aos ramos maiores.


Hoje em dia, a par do desenvolvimento de novos métodos para analisar as relações evolutivas dos organismos, as árvores evolutivas, ou árvores filogenéticas tornaram-se essenciais para o desenvolvimento da Biologia moderna. Infelizmente o “raciocínio em árvore” é frequentemente utilizado apenas por aqueles que as têm por objecto de estudo e não por todos aqueles que se deparam com questões da Biologia. Antes de mais, convém referir que o “raciocínio em árvore” não implica saber como se constroem as árvores filogenéticas. Esse é um campo complexo e em constante mudança. Pelo contrário, e felizmente, as árvores filogenéticas podem ser interpretadas e utilizadas para organizar o conhecimento da biodiversidade sem se saber os detalhes da reconstrução filogenética.
Na interpretação mais frequente, uma árvore filogenética revela linhas de descendência. Ou seja, as árvores revelam relações evolutivas entre os elementos (espécies), que se encontram nas extremidades dos ramos. Nesta interpretação, os nós (pontos de ramificação) de uma árvore correspondem a espécies que existiram no passado; espécies ancestrais. É importante salientar que, neste sentido, as árvores filogenéticas revelam relações históricas e não semelhanças entre os organismos. Ainda que espécies próximas tendam a ser semelhantes, isto não é sempre verdade quando a taxa de evolução é variável. Os crocodilos são evolutivamente mais próximos das aves do que dos lagartos, se bem que são externamente mais parecidos com estes últimos. Mas o que significa ser “evolutivamente mais próximo”? Esta proximidade deve ser entendida em termos de relações de ancestralidade.
Quanto mais recente for o ancestral comum mais relacionados estarão dois organismos. Por exemplo: cada um de nós é está mais próximo em relação a um primo directo do que a um primo em segundo grau, porque o ancestral comum mais próximo (avô ou avó) nasceu duas gerações atrás no primeiro caso, ou três gerações atrás para o caso de primos em segundo grau (bisavô ou bisavó). No entanto, mesmo alguns profissionais da área da Biologia têm dificuldade em “ler” numa árvore filogenética as relações evolutivas. Por exemplo, quando confrontados com uma determinada árvore filogenética (ver Figura 2, esquerda), muitos frequentemente concluem que a rã está mais relacionada com o peixe do que com os humanos. A rã é na verdade evolutivamente  mais  próxima  dos  humanos  do  que  dos    peixes porque o ancestral comum da rã e dos humanos (x) é ele próprio descendente do ancestral comum da rã e dos peixes (y).


Por vezes a dificuldade de interpretação surge porque tendemos naturalmente a ver as árvores ao longo das extremidades, como se um humano pudesse ser descendente de uma rã ou de um rato. A forma correcta de se interpretarem as árvores é através da identificação de grupos (clades) que estão contidos uns nos outros. No exemplo apresentado existem três clades: Homem-Ratinho; Homem-Ratinho-Lagarto; Homem-Ratinho-Lagarto-Rã. A diferença entre “ler” as árvores filogenéticas ao longo das extremidades ou através da identificação de clades é evidente quando se rodam os ramos para que a ordem das extremidades seja alterada (Figura 2, direita). Ainda que a ordem das extremidades tenha sido alterada, o padrão de ramificações evolutivas manteve-se constante. As duas árvores são iguais.
O “pensamento em árvore” é tão importante como o reconhecimento da selecção natural para a compreensão da evolução. As árvores filogenéticas são a forma mais imediata do princípio de ancestralidade comum, e não podem nunca ser separadas de qualquer tentativa de compreensão da biodiversidade existente.

Traduzido e adaptado a partir de
The Tree-Thinking challenge. Baum et al., 2005. Science.